O percurso em psicanálise na EPC

Transmitir a psicanálise é sustentar o tempo da escuta: um percurso ético, vivo e transformador, que se constrói entre o rigor da teoria e a delicadeza da experiência.
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Há alguns anos venho pensando sobre o que, de fato, significa transmitir a psicanálise. Essa pergunta, que atravessa silenciosa o cotidiano do meu trabalho, volta e meia se apresenta em momentos simples: nas conversas com os psicanalistas da Escola, nas trocas com os estudantes, nas pausas entre uma sessão e outra. Porque, afinal, o que é transmitir algo que só se aprende pela experiência?

Na EPC, desde o início, a ideia nunca foi “ensinar psicanálise”. O que buscamos é criar um espaço de travessia, onde cada um possa, à sua maneira, vivenciar o percurso psicanalítico. E isso exige tempo. Exige silêncio. Exige uma ética que não se apressa e que não transforma o inconsciente em conteúdo de prova, nem a formação em produto.

Vivemos tempos velozes. As promessas de formação rápida, o consumo de conteúdos instantâneos, os discursos de “faça sua clínica em seis meses” se multiplicam. Mas a psicanálise resiste. Ela nos lembra que o que realmente transforma o sujeito não é o acúmulo de conhecimento, e sim a experiência de escutar (e ser escutado) em profundidade. É por isso que falo tanto em ética da transmissão. Na EPC, acreditamos que a verdadeira formação não é uma linha de chegada, mas um processo vivo, em constante movimento. O estudante não “termina” a formação: ele segue. A cada nova leitura, a cada grupo de estudo, a cada encontro presencial, vai se redesenhando em relação àquilo que a psicanálise provoca — e sustenta — dentro de si.

 

O que sustenta a EPC

Quando criamos a Escola de Psicanálise de Curitiba, o desejo era simples e, ao mesmo tempo, profundo: fazer da transmissão da psicanálise uma experiência viva e acessível, sem abrir mão do rigor e da ética que ela exige. A partir disso, nossa estrutura se tornou um organismo vivo, que respira psicanálise em diferentes dimensões:

🔹 Formação Continuada – consiste num espaço de estudo permanente, onde teoria e experiência se entrelaçam. Aqui, o percurso é sustentado pela escuta, pela análise pessoal e pela supervisão, que permitem que cada estudante vá construindo, pouco a pouco, o seu modo singular de se aproximar da clínica.

🔹 Núcleos de Estudo e Pesquisa – o NEPPA (Psicanálise e Adolescência) e o NEPC (Psicanálise, Práxis Clínica e Contemporaneidade) são desdobramentos naturais da nossa prática. Neles, a psicanálise encontra o pensamento, a escrita e o desejo de pesquisar. É a partir desses núcleos que surgiram também nossos cursos de pós-graduação, que aprofundam o estudo teórico e o diálogo entre pares, uma continuidade do percurso que começa na formação.

🔹 Encontros Presenciais – a EPC é uma escola viva, feita de presenças. Em um tempo em que tudo se virtualiza, seguimos acreditando que nada substitui o olhar, a troca e o gesto de estar junto. Por isso, nossos eventos presenciais têm um valor simbólico enorme: são momentos de reencontro, de escuta coletiva e de sustentação daquilo que é essencial na psicanálise, a palavra encarnada.

Essas três dimensões — formação, pesquisa e encontro — formam o alicerce da EPC. Não se trata de um modelo pedagógico tradicional, e sim de uma experiência viva, que acolhe o tempo de cada sujeito e reconhece que a transmissão só acontece quando o conceito se torna afeto, quando o estudo se transforma em experiência.

 

A ética da transmissão

Tenho refletido muito sobre o que vemos hoje em muitos espaços: cursos que prometem formar psicanalistas em tempo recorde, instituições que transformam a psicanálise em técnica de autoajuda, em discurso motivacional ou em ferramenta de performance pessoal. Há algo de perigoso nisso: não só pela superficialidade, mas porque rompe com o fundamento ético da psicanálise: o tempo.

Freud nos ensinou que não há cura sem tempo, e, dessa forma, não há formação sem tempo. O percurso analítico é uma construção lenta, feita de atravessamentos, lapsos, retornos e repetições. Por isso, quando uma instituição promete atalhos, ela não apenas simplifica o percurso, ela o esvazia. Na EPC, escolhemos o caminho oposto. Escolhemos o rigor, a ética e o respeito à singularidade de cada sujeito. Nosso compromisso não é com diploma, mas com a travessia. E é esse compromisso que nos move e que faz da EPC um espaço de transformação.

 

O cotidiano como lugar de escuta

A psicanálise, quando de fato atravessa alguém, começa a se infiltrar nas pequenas coisas do cotidiano. Está na forma como olhamos um filho, um estudante, um colega. Está no silêncio que deixamos existir, no cuidado com as palavras, na capacidade de escutar o que não foi dito. Na Escola, buscamos cultivar esse olhar em tudo o que fazemos.

Nos encontros presenciais, nos espaços online, nas aulas, nas discussões teóricas, há sempre uma tentativa de sustentar algo que não é apenas “ensino”, mas presençaética e experiência. Cada psicanalista da EPC carrega, junto com seu saber teórico, a responsabilidade de manter vivo o espírito da psicanálise: o de não saber tudo, o de escutar o novo, o de sustentar o desconhecido.

E é justamente isso que mantém a EPC viva. Não somos uma instituição que se fecha em si mesma, mas uma escola que se abre para o mundo, que se renova a cada encontro, que se reinventa a cada fala, que cresce com cada aluno que atravessa seu percurso.

 

Entre o rigor e o afeto

Transmitir psicanálise é, para mim, um ato de amor. Mas é um amor que exige rigor, responsabilidade e coragem. É amor por aquilo que não se domina, por aquilo que insiste em escapar e, mesmo assim, nos convoca.

Na EPC, temos buscado sustentar essa combinação delicada entre rigor teórico e sensibilidade humana. Nossos cursos, seminários e grupos de estudo são pensados para que cada participante possa encontrar um espaço de escuta verdadeira, de si e do outro. Não buscamos formar “profissionais”, mas sujeitos implicados, capazes de sustentar uma escuta ética, sensível e aberta ao desconhecido.

 

Uma travessia coletiva

A EPC não é apenas uma escola, é um espaço coletivo. Uma coletividade de pessoas que acreditam que a psicanálise pode transformar o modo como vivemos, nos relacionamos e compreendemos o sofrimento humano. E essa transformação acontece quando nos permitimos, juntos, viver o percurso. É isso que sustenta cada projeto que criamos: os grupos de leitura, estudos, os encontros presenciais, os cursos de pós-graduação.
Tudo nasce de um mesmo desejo: o de fazer da psicanálise uma experiência acessível, viva e responsável, que se mantenha fiel à sua ética e, ao mesmo tempo, conectada ao nosso tempo.

 

O tempo e a escuta

Gosto de pensar que a EPC é um espaço onde o tempo tem outro ritmo. Onde é possível desacelerar, escutar, pensar, sentir. Onde a formação não se mede por horas, mas por experiências. E onde cada estudante, cada psicanalista, cada palavra dita em espaços coletivos, faz parte de um mesmo compromisso: sustentar o desejo de escutar o inconsciente, em nós e no outro.

A transmissão da psicanálise, afinal, não é uma questão de ensinar, é uma questão de sustentar. E é isso que temos buscado, todos os dias, aqui na EPC: sustentar o que há de mais vivo, mais humano e mais transformador na experiência analítica.

 


Texto escrito por Fabricio Tavares, Psicanalista, graduado em filosofia e serviço social; especialista em psicanálise; mestre em serviço social.

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